The Armitage Files é uma campanha estilo sandbox para Rastro de Cthulhu. Ou seja, aqui não há um caminho predefinido a ser seguido pelos jogadores. Os jogadores têm mais influência sobre a trama do que em campanhas mais lineares como Eternal Lies, em que mesmo escolhendo a ordem em que investigam os lugares, a trama esta mais ou menos determinada e tudo converge para um capítulo final. Por isso mesmo é uma campanha com um tom narrativista bem forte.
Em The Armitage Files não existe uma trama fechada em uma sequência de capítulos, mas uma premissa inicial a partir da qual os jogadores tem uma crescente gama de pistas e opções a escolherem. Além disso, o narrador tem também uma série de escolhas em cada pista. O resultado é que duas campanhas de The Armitage Files nunca serão iguais.
A premissa: documentos misteriosos estão aparecendo em Arkham. Os documentos iniciais aparecem do nada e em circunstâncias estranhas e são endereçados ao Dr. Armitage. Eles parecem pertencer a um diário que aparentemente foi escrito pelo professor Henry Armitage, da Universidade Miskatonic. Acontece que o professor não se lembra de ter escrito esses documentos e nem dos fatos mencionados. Mais estranho ainda, aparentemente esses fatos ainda irão acontecer.

Agora, o Dr. Armitage precisa da ajuda dos investigadores para descobrir a verdade. Os documentos sugerem uma série de pistas e de suspeitos e também dão a entender que algo muito ruim irá acontecer se nada for feito para impedir.
Essa campanha é, basicamente, uma expansão do cenário The Armitage Inquiry do livro básico. Os investigadores vão estar associados aos professores da faculdade que são figuras centrais de vários dos contos de Lovecraft. Dessa forma, uma sugestão do livro é que alguns jogadores façam personagens que sejam membros do círculo de aliados de Armitage. Inclusive, uma sugestão mencionada de passagem e que parece ser muito boa é que eles já conheçam Armitage ou os outros professores em razão de alguma aventura anterior (ou seja, um prelúdio da campanha).
Depois do que aconteceu em Dunwich (o conto O Horror em Dunwich), o professor Armitage criou um pequeno grupo acadêmico dedicado a investigar e combater as ameaças dos grandes deuses e seus servidores humanos e inumanos.
A estrutura da campanha é ideal para personagens que tenham alguma noção de que os mitos de Cthulhu existem e interesse (ou curiosidade ou loucura) de seguir as pistas. Inclusive, está liberado comprar pontos na pericia Cthulhu Mythos. Os personagens devem ter motivações fortes que os levem a querer descobrir o que há por trás dos documentos, mesmo que isso custe sua sanidade. Ou seja, os drives aqui são essenciais.
Os jogadores podem criar ganchos a partir de seus drives/motivações que gerem um arco de história para seus personagens. São ideias curtas, elementos que permitem que o narrador crie para o PC um arco narrativo. O ideal é que não sejam muito elaborados, basta um parágrafo ou dois, já que a ideia de narrativa compartilhada é ir criando juntos a história.
Um exemplo de sugestão de arco de história é o de Mulder em Arquivos X, que teve sua irmã abduzida por extraterrestres; ou de Walter Bishop, o cientista maluco de Fringe, que perdeu parte de sua memória (em um experimento que ele também não se lembra).
O primeiro capítulo do livro é dedicado a explicar como funciona a campanha estilo improv e dar dicas e sugestões de como narrar uma campanha mais aberta, sem um meio e um fim definido. Em uma narrativa compartilhada, enquanto os PCs determinam as pistas que irão seguir, o narrador é responsável por criar as cenas, npcs e transições entre cenas. Uma seção dá dicas sobre narrar de improviso, como ter um tema bem definido (no caso, os documentos misteriosos são o tema) e fazer os personagens em conjunto de forma a criar ligações entre eles desde o início. E também para o mestre e os narradores não cometerem o maior pecado do improv: simplesmente negar algo dito pelos outros participantes ao invés de construir encima do que já foi dado (ou seja, respeitar o famoso “sim, mas…”).
Os demais capítulos: Mas e o narrador? Como ele se vira em uma narrativa de improviso em um sistema baseado em pistas como Rastro de Cthulhu? A sacada genial do livro (e que depois seria repetida em Cthulhu City e Dracula Dossier) é de criar capítulos não com a trama, mas com Pessoas, Organizações, Lugares e Tomos Mágicos. As pistas (os documentos) fazem referências justamente a esses elementos, de forma que cada pista leva a vários possíveis locais (o narrador precisa se concentrar apenas naqueles mais elementos que aparecem em cada pista/documento).
O único perigo que eu vi aqui, é que se o mestre não tiver facilidade em improvisar, ele vai acabar tendo mais trabalho do que em uma campanha normal, com começo, meio e fim, tentando ler tudo e criar opções para qualquer decisão dos PCs.
No final do livro existem vários exemplos de como os cenários individuais podem se desenrolar e que ajudam a ter uma ideia inicial de como narrar a campanha. Além disso, os documentos são muito bem construídos (tem uma versão colorida em pdf no site da Pelgrane Press). Por outro lado, é uma campanha que depende de leitura e domínio de inglês.
Conclusão
Sempre achei que uma das vantagens de Rastro de Cthulhu são seus livros que partem de premissas bem diferentes. Temos suplementos em que os PCs são livreiros gananciosos em Londres, artistas surrealistas em Paris, moradores de uma metrópole controlada pelas entidades do Mythos, testemunhas do fim do mundo, etc. Mas esse foi o suplemento de Rastro que me fez considerar o sistema um dos meus dois preferidos.
Existe uma interação entre o narrador e os jogadores, com o narrador respondendo as iniciativas dos jogadores que é feita de forma magistral. Será que As Lágrimas de Azazoth são um livro real ou uma falsificação muito bem feita? E o estranho Circo, terá algo a ver com o que está acontecendo com o professor Armitage? E o que será a misteriosa Caixa Vermelha? Será que os investigadores devem seguir a sugestão de não a abrir?