Cthulhu Invictus: Horror na Roma Antiga

Cthulhu Invictus é mais um dos suplementos de época de Chamado de Cthulhu. Juntar gladiadores e legionários romanos enfrentando monstros e cultos inomináveis é uma ótima ideia de aventura… e se você não acredita, basta olhar a capa do livro:

O Império Romano foi o mais famoso dos grandes impérios da antiguidade e sua herança cultural nos influencia até hoje. Legiões romanas em formação de tartaruga, gladiadores lutando no coliseu e bárbaros nas fronteiras fazem parte do imaginário de qualquer rpgista. Misture isso com as terríveis criaturas do Mythos e você terá material para muitas sessões de jogo.

A ambientação pede um estilo de jogo mais pulp, com lutas de espadas nos becos escuros de Roma e intriga nas mansões dos patrícios romanos. Ou como o próprio autor sugere, uma aventura passando por várias províncias, desde o Egito até a Britânia.

Cthulhu Invictus: Horror Cósmico na Roma Antiga se passa no período imperial, mais especificadamente durante o chamado reinado dos Cinco Bons Imperadores. É uma época de (relativa) paz e tranquilidade no Império, que atinge sua maior extensão.

O livro inicia com uma breve cronologia, explicação das classes sociais romanas, festivais e outros pequenos detalhes como a divisão das horas do dia, educação, entretenimento e comidas e roupas da época.

Criando um personagem

Os primeiros capítulos do livro são destinados a explicar como fazer um personagem. Cthulhu Invictus não é um livro independente. Para fazer um personagem é preciso seguir os passos do livro básico da 7a edição de Chamado de Cthulhu e aplicar as modificações para adaptá-los à era romana.

Em Chamado de Cthulhu, criar um personagem é rápido. A parte mais demorada é gerar os atributos jogando os dados (tem Atributo pra caramba – nisso ele lembra que é um RPG originalmente da década de 1980). São 5 passos:

Etapa 1Gerar os Atributos:
Força, Constituição, Destreza, Aparência, Poder e Sorte: jogue 3d6 e multiplique o resultado por 5.
Tamanho, Inteligência e Educação: jogue 2d6 +6 e multiplique o resultado por 5.
Dano Extra e Corpo = Força + Tamanho
Pontos de Vida = (Constituição + Tamanho)/10
Etapa 2Determinar Ocupação
Depois de definir os Atributos, o passo seguinte é escolher entre uma das muitas ocupações existentes na época romana. A ocupação é a base para as perícias iniciais do personagem e para ajudar a definir a sua história. De novo, a lista é bem completa, com quase sessenta ocupações, desde legionários até filósofos, de senadores a ladrões.
Etapa 3Alocar os pontos de Perícias Ocupacionais
Os pontos devem ser distribuídos entre as perícias iniciais do personagem, de acordo com o que a Ocupação determina.

Alocar os pontos de Interesses Pessoais
Gaste 2xINT em quaisquer perícias da ficha para representar a experiências e conhecimentos adquiridos pelo personagem (podem ser gastos tanto nas perícias ocupacionais como em quaisquer outras, exceto Mythos).
Etapa 4Criar os Antecedentes
Para ajudar a criar os antecedentes do investigador, o livro vem com tabelas para ideologia/crença, características, pessoas, locais e bens importantes.

Escolha um dos seus antecedentes para ser a conexão-chave – a coisa mais importante para o personagem.
Etapa 5Comprar os equipamentos do Investigador
Uma lista de armas, armaduras, equipamentos, poções e ervas medicinais completa essa parte do livro.

A lista é bem detalhada e mais do que suficiente para montar personagens de todos os estilos, desde o centurião romano ao bárbaro germânico e o filósofo grego.

Além disso, jogadores devem decidir a idade de seu investigador, em qual província ele nasceu, se ele cresceu em uma cidade ou em uma vila/fazenda e o seu status, que determina a classe social do personagem.

A idade do investigador pode modificar seus atributos. Um investigador mais novo perde pontos de Força, Tamanho e Educação, mas tem mais Sorte. No entanto, à medida que ele vai envelhecendo, o investigador faz testes de melhoria de Educação e deduz pontos das perícias físicas.

Ocupações e perícias da época romana

Balista sabia que iria se sentir sozinho, apesar de estar rodeado de gente. Ele contava com uma equipe de 15 homens: quatro escribas, seis mensageiros, dois arautos, dois harúspices para ler os presságios e Mamurra, seu Praefectus fabrum, o engenheiro-chefe.

O Capítulo III: Ocupações dos Investigadores detalha mais de cinquenta profissões diferentes, permitindo uma enorme variedade entre os personagens:

Cada ocupação concede um certo número de pontos de perícia, o status mínimo e máximo, sugestões de contatos para o personagem e as perícias ocupacionais.

Infamous Professions: Algumas profissões são infames – usando Infâmia ao invés de Status, como, por exemplo, Bárbaros, Gladiadores e Escravos. Isso significa que pessoas dessas ocupações não são consideradas respeitáveis, mesmo que sejam famosas. Por isso, elas nunca terão os mesmos direitos de um cidadão romano.

Outras ocupações são mais comuns em pessoas vindas de fora do império e que, por isso, não são cidadãos romanos. São ocupações de forasteiros (Outsiders Professions).

O grupo precisa pensar como integrar todos os tipos de personagem possíveis, levando em conta que a união provavelmente se dará para combater cultos e criaturas terríveis que eles descobriram.

A maioria das perícias são as mesmas já encontradas no livro básico de Chamado. O capítulo de perícias lista apenas algumas novas perícias da época romana e as adaptações de algumas perícias do livro básico de Chamado de Cthulhu para o período imperial.

Algumas das perícias novas são Empire (conhecimento sobre a geografia, cultura e história imperial) e Other Kingdoms (cada reino ou terra bárbara é uma especialização). Art/Craft e Science também têm especializações próprias para a época romana.


Além da equipe oficial, ele trazia alguns de seus próprios criados domésticos consigo: Calgaco, seu servo pessoal, Máximo, seu guarda-costas, e Demétrio, seu secretário.

Nome de PCs (e NPCs) são uma questão importante, especialmente em RPGs históricos. Nomes mal-escolhidos – por desconhecimento ou por uma piada – podem quebrar aquilo que em inglês se chama “suspension of disbelief” tão necessária para acreditarmos que estamos no período romano.

As convenções de nomes romanos são (relativamente) simples e o livro explica como nomear um romano:

  • Patrícios, senadores e equestres possuem um sistema de três ou quatro nomes, sendo o mais importante o nome do clã (gens):
Praenomennome privado, usado apenas pela família e amigos próximos. Existem apenas alguns poucos prenomes usados.Lucius

Nomennome do clã / gens – é o nome principalTillius

Cognomennome individual pelo qual o indivíduo é conhecido publicamenteBrutus
Honorificsnome adicional que descreve um característica física ou uma homenagem recebidaGermanicus
  • Plebeus e homens livres normalmente têm apenas dois nomes: um cognomen e um honorífico.
  • Mulheres recebem um nome gentílico derivado do de seu pai (ex: Júlia) seguido por um diminutivo derivado do cognomen.
  • Escravos possuem apenas um cognomen, enquanto libertos adicionam o nome de seu antigo mestre ao seu próprio cognome.
  • Nomes bárbaros são latinizados quando o estrangeiro consegue a cidadania romana.

Cthulhu Invictus vem com uma enorme tabela de nomes, o que evita um personagem com o nome de Selvagerix, o Gaulês  (um trauma que me persegue em minha única tentativa de mestrar um jogo romano no sistema Storyteller muito tempo atrás).


Magia e Mythos

A segunda parte do livro trata do mundo espiritual, magia, monstros e cultos. O calendário romano é cheio de festivais dedicados aos deuses. A crença na magia e nos deuses é comum aos romanos e aos bárbaros, e isso faz toda a diferença no cenário. Os romanos acreditam em augúrios, espíritos e intervenções divinas no mundo dos homens.

O Panteão dos Deuses Greco-romanos ainda é o dominante, liderado por Júpiter/Zeus. Além disso, existem os cultos orientais, como o Culto de Isis, e os judeus e cristãos. Outra característica da época é a filosofia, incluindo os estóicos, epicuristas e outras correntes.

Alguém espirrou. Balista manteve a pose estendida. O espirro tinha sido indubitável, inegável. Ninguém se mexeu nem falou. Todo mundo sabia que o pior agouro para uma viagem marítima, a indicação mais clara possível do descontentamento dos deuses, era quando alguém espirrava durante os rituais que marcavam a partida.

Uma regra especial de maus presságios é bem interessante para mostrar como eles afetavam os romanos. Um presságio menor – por exemplo, derramar vinho ou sal – ou maior – um abutre pousar no telhado – pode até levar à perda de Sanidade.

Balista apresentou algumas moedas de alto valor e os sacerdotes entregaram o incenso e as ovelhas de sacrifício necessárias para que os pedidos para aportar em segurança feitos por ele publicamente no auge da tempestade fossem atendidos.

Outra regra opcional de Fé e Sorte representa a superstição dos romanos, incorporando a crença (e a filosofia) dos romanos na mecânica dos testes de Sorte. Investigadores devotos e que cumprem seus deveres para com os deuses podem gastar pontos de Sorte para alterar testes de perícias com o valor dobrado (1 ponto de sorte vale 2), enquanto investigadores indiferentes têm mais dificuldade de usar a sorte (2 pontos de sorte valem apenas 1 no teste) e também têm mais dificuldade de recuperar a Sorte.

Mas não seria um jogo de Chamado de Cthulhu, se não houvessem incontáveis horrores cósmicos para enfrentar. Vários cultos romanos envolvidos com os Mythos são apresentados, junto com reinos perdidos e esquecidos, como Atlantis e Stygia, além de uma lista de pergaminhos, textos e artefatos. No entanto, a lista de Feitiços indica apenas os rituais presentes no Grimório de Magia de Chamado.

Os monstros apresentados misturam o Mythos Lovecraftiano com a mitologia clássica e a descrição deles ficou bem interessante. Estão lá as lamias, striges, minotouros e outras criaturas.

Toda a Grandeza de Roma

A terceira parte do livro é estilo GURPS Império Romano, só que para Chamado de Cthulhu, contendo informações sobre o Império Romano: capítulos com informações sobre as legiões romanas, as províncias do Império e a cidade de Roma. Cthulhu Invictus não é tão detalhado quanto o suplemento de GURPS [aquilo era melhor que muito livro de história na época], mas é muito bem escrito.

A verdade é que todo mundo tem uma ideia de como funcionava Roma – graças a todos os filmes, séries, quadrinhos e livros sobre o período. Isso é mais do que suficiente para um jogador – especialmente se ele já leu as aventuras de Asterix, o Gaulês. Entretanto, para o narrador (ou um jogador que queira mais detalhes) esses capítulos trazem muitas informações interessantes.

A estrutura de uma legião romana é explicada detalhadamente, incluindo os equipamentos dos soldados, assim como todos os postos desde os mais baixos recrutas (Munifex) e legionários, até o comandante da legião: o Legado. É um dos capítulos mais interessantes do livro todo.

A descrição das províncias romanas e das possíveis ameaças em cada uma delas é suficiente para várias ideias de jogo e para um longa campanha. O capítulo também diz quais legiões estão sediadas em cada uma das províncias imperiais, o que é um detalhe bem interessante.

O capítulo sobre Roma, no entanto, é bem curto e serve apenas como um aperitivo de todas as possibilidades possíveis – mas o próprio livro reconhece isso. Tem informações interessantes e é bem organizado, mas insuficiente para basear uma campanha em Roma. O livro teria se beneficiado com mais umas 10 páginas somente sobre Roma e com um mapa melhor da cidade. Aqui o Guardião vai ter de fazer o trabalho de pesquisa e procurar outras informações. Foi a única bola fora do livro, em minha opinião. Ou talvez eu tenha ficado mal acostumado com GURPS: Império Romano.

Aventuras

A última parte de Cthulhu Invictus vem com duas aventuras passada em Roma. Honra e Glória e Comida para os Vermes. A primeira aventura se passa durante os jogos de gladiadores e tem um estilo de investigação bem aberto. A segunda aventura se passa durante uma praga que atinge Roma.

Existem também alguns suplementos antigos da edição anterior de Cthulhu Invictus que podem ser adaptados com facilidade para a nova edição.

Conclusão

Cthulhu Invictus é um ótimo suplemento. A arte não é tão bonita quanto o dos novos livros da 7a edição, como Down Darker Trails ou Reign of Terror, mas trata de uma época ainda mais fácil de se adaptar para um jogo de terror.

A única crítica é que o livro podia realmente ter se beneficiado de mais algumas páginas sobre Roma e mais algumas dicas de como ambientar o jogo em outros períodos romanos – especialmente na República e durante o período mais turbulento das crises posteriores do século III. Apesar disso, é um suplemento que vale muito a pena e me deu novamente vontade de jogar um jogo baseado no Império Romano.


Os trechos em destaque são de Guerreiros de Roma, que é uma leitura leve sobre as aventuras de um general bárbaro no Império e que é vendido bem barato na Amazon. Cthulhu Invictus me fez tirar o livro da estante. Por acaso, o autor é historiador especializado em guerra no período romano e descreve muito bem as manobras e a vida na legião. Eu recomendo a leitura para quem gosta de livros estilo os de Bernard Cornwell.

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